trajeto

quando destaparam-me a boca

meus dentes já eram menos brancura e

mais cinza; e se falei, deixei pelo caminho

rastros de pó, pedaços de ossos,

vermelhidões famintas.

na boca, implantei

um depósito de silêncios, gritos e rachaduras.

e sob minha pele

calcifiquei o tempo em minha carne,

tornei-me menos humana

e mais máquina;

o ferro em mim será eterno;

o medo, não.

pergunto aos deuses de onde vem

essa dança de entranhas;

pergunto-me de onde vem

a crença na existência do amanhã e

naquilo que chamam

de amor.

apesar de tudo,

emergi sobrevivente;

mas desde então

caminhei sozinha, caí sozinha,

senti sozinha.