Auto-retrato de hematomas

Até então

fui apenas reflexo dos meus anos

amordaçados e pisoteados

pela passagem das gentes.

Até então fui pouco,

fui quase nada, fui conformada

com a pequenez e com o cansaço

dos meus galopes.

Fui levada pelo cangote

ao tranco do cadafalso,

mas também fui empurrada, exausta

pelas mãos dos ventos;

e se em algum momento respirei,

foi porque as águas

me ofereceram alento.

Até então fui surrada de ausências,

afogada em reminiscências

açoitada por indiferenças.

As manifestações do meu penar

residem na minha voz e no meu olhar e

quem por mim passa, sabe bem

que meu suspiro é de pesar.

Assim julgam-me pessimista,

niilista, debochada, julgam-me lasciva,

deletéria, fragmentada.

Senhores: sou tudo isso que até então

julguei ser tão pouco.

E se desagrada meu aspecto de devassa,

meu corpo de mutilada,

meu olhar de desvendamentos e

minha boca de monumentos,

vai, senta-te longe,

vai-te com o medo.

Se te dói meu sangue cigano,

se te dói minha magia e meu oceano,

deita-te em braços mais mansos,

menos amplos, menos insanos,

pois ainda que eu seja

de âmbar e amianto

vivo prenhe de pedras e efervescências,

ácidos que não sei explicar

mas que hão de desintegrar

esta maquinaria de prantos.