Encarnação de poeta
Ave boca do céu
Que a cada manhã engole a noite
E entoa o dia no ouvido do poeta:
Nenhum barulho lhe escapará.
Ave raiz do mundo
Que à tarde semeia escuros
E planta uma arbusto nos olhos do poeta:
Nenhuma cena dispensará seu testemunho.
Ave umidade de chuva
Que faz adubo das folhas secas
E pinta outonos na alma do poeta:
Nenhum cheiro o abandonará.
Ave cama da noite
Maciez do algodão colhido da terra
Que envolve o corpo nu do poeta:
Nenhum fio de pele ficará ileso.
Ave caldeirão no fogo primitivo
Vidas e mortes em ebulição
Irrigando saliva na língua do poeta:
Nenhum sabor terá o perdão de sua boca. Ave.
Ave ser poeta.