Depoimento

Viela escura, to na fissura.

Com uma pistola por debaixo da blusa.

Noite sinistra, estou na pista.

Com bolso cheio até pareço um artista.

Os camaradas, muita mulher.

Tens uns paga-lascas que não sai do meu pé.

O lucro é certo, futuro incerto.

Se eu rodar quero ver quem ta por perto!?

Então... para e raciocina.

Se meu pião fosse a pé eu pegava aquela mina?

Mas to de boa, to a pampa.

Tenho video-game que era sonho de criança.

Berma de marca com o jaco do timão.

Rolex no pulso e a oncinha em minha mão.

Mas não me iludo, isto não é tudo.

Sei que to fazendo a alegria do chifrudo.

Festa no inferno e tristeza no céu.

Na minha boca o gosto amargo do fel.

No coração predomina a revolta.

O ódio me aprisiona e não solta.

Mas vou ficar atento ao movimento.

A venda não para. O freguês vem fervendo.

Uma aqui, outra ali. Cinco mais na frente.

O contenção ta atento? Sei lá, de repente?!

Nesse ínterim, o farol bate no muro.

Tudo em silêncio, muito obscuro.

Ouço passos em minha direção.

Pulo a cerca e deito no chão.

Escuto um disparo e um grito de dor.

O gambé foi certeiro, o contenção capotou.

Vejo tudo através d'uma fenda.

Talvez a última chance para que eu me arrependa.

O processo segue, adrenalina vai a mil.

Não da pra trocar tiro com um cara de fuzil.

Fico em silêncio e penso em Deus.

Não posso perder a oportunidade que Ele deu.

O tempo passa e o dia amanhace.

Acho que Ele ouviu minha prece.

Encontro-me inteiro, sem nenhum arranhão.

Nunca é tarde... vou buscar o meu perdão!