ALMAS SIAMESAS
O que é o amor
senão sobras de suores que não se mesclaram
e ficaram à deriva nos seu próprio vai e vem.
O que é o amor
aceno tardio de um vento sem aviso
que tanto fez para se aconchegar nos pensamentos
tanto quis embaralhar os guizos das certezas
que conseguiu.
O que é o amor
troco errado das diabruras que nunca revelaremos
voz ranheta rolando montanha abaixo sem fim
estribo frouxo que faz o medo erguer seu peito.
O que é o amor
respingo venenoso empelotado numa metástase aloprada
querendo saber mais e mais e mais e mais e mais
mas sempre volta à toca com sorriso de mártir vencido.
O que é o amor
senão o avesso do perdão, o inverso do gozo, o repeteco da dor
que tantas vezes se veste de donzela para surrupiar nosso teco de pão
que tantas vezes é fiel nas suas entranhas mais estranhas
que a gente rega, apara, acarinha, aninha, tanto, tanto, tanto
que só acordamos quando nossas cordas se roerem
só afrontamos quando desarmamos cada trincheira e vamos embora
embalados numa sacudida que não deixa nada em pé, nada vivo.
O que é o amor
talvez a certeza de que almas podem virar siamesas,
talvez o sinal de que pessoas podem se tornar uma só flor
talvez o arremate que mostrará que este mundo ainda vale a pena.
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