Rachadura

Em minha árvore sinto um rastejar de vermes,

uma escuridão densa se alastrando,

uma vermelhidão dolorosa, um aspecto de pestes.

Finco os olhos nos espelhos quando anoitece e observo

as rachaduras que neles crescem;

tento depositar ali aquele negrume do peito,

mas as rachaduras é que se apossam de mim e do meu silêncio --

e o que era apenas uma sensação de lamentos

tornou-se uma expansão de mortes, um sepultamento.

Outrora são, o olhar paira conflituoso,

receptáculo de riso e choro;

mas ao invés de lágrimas, os olhos sangram lava

e eu me deito liquefeita, rarefeita,

pensando na brancura do teto quieto,

no chá derrubado na mesa,

nos latidos dos cachorros de rua,

no som distante dos carros nas estradas.

Impaciente e nua, me abraço sob a luz exausta e anoiteço.

Suspiro o peso da contenção de mim,

suspiro o peso do vulcão em mim;

reviro-me em sonhos, memórias, pensamentos,

acordo e esmoreço.