O rio
Quanto será que valem, no vale-tudo da vida, as vidas subtraidas?
Soterradas na lama das consciências corrompidas.
Afogadas nas águas barrentas, barradas por barragens partidas.
Quanto será que vale,
a memória interrompida?
Das histórias que meu avô contava;
Meu pai, cúmplice, assentia;
Eu, moleque, zombava...
Para meu filho, que inda não há,
o rio não existirá.
Qual Cosme e Damião às avessas,
o rio, ao doce, escondia.
Qual a Atlândida de outras crenças,
na lama, submergia.
Matam o homem,
matam a mata,
a esperança e a economia.
A justiça a pauladas.
A sede, a fome, o frio...
Mas já se viu em outras paradas,
que alguém matasse um rio?
Já se viu, em outras tragédias,
o vilão que sentencia?
Já se viu de outras vítimas,
que defendam a vilania?
Indiferente persiste, o rio de Nagazaki.
Em seu fúnebre cortejo,
que é para nós, qual realejo.
Cuja sorte diz "tic-tac"...