CÂIMBRA DE PISTOLEIRO
Dentro de mim cultivo um útero que não é meu,
que vive meio emburrado, meio enferrujado,
meio desafinado até.
Olha para mim com desdém
mal cumprimenta quando volta do serviço,
mal ama quando vamos dormir.
Este útero muitas vezes é fétido,
outras vezes exala o cheiro do suor de Deus.
Meu útero tem limo, tem rebarba, tem fardo farto,
brinca com a chave da sua senzala a toda hora,
Faz de mim o que bem quiser e o pior é que gosto muito.
Nunca pede licença para sair de mim quando assim quer,
tem vezes que some por dias, por anos, pela vida toda,
isso me faz uivar feito câimbra de pistoleiro.
Então vou à sua cata com alucinada gana,
gritando pelas ruas cadê? Cadê? Cadê? Cadê...
Imagino que esteja enchendo a cara num boteco qualquer,
talvez tenha assumido meu lado avesso que sempre neguei,
mas que nunca deixei de regar e aparar suas rebarbas.
Talvez tenha se esquecido que era nossa vez de morrer.
Talvez tenha virado chão e catado outra alma qualquer.
Um dia, quem sabe, vou me atracar às suas ancas puídas,
ungidas de alfazema vencida, deliciosa alfazema.
Então vou embalá-lo no meu colo até a noite dizer chega,
até os ventos se fartarem de só ouvir.
Então seremos assim ungidos, benditos e esgarçados,
talvez até desgraçados, por que não?
Assim vamos nos abraçar feito ódios siameses
e nos fecundaremos mutuamente sem pressa,
para, quem sabe, um dia
virarmos o derradeiro remendo da nossa toda dor.
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