silêncio e ennui

quem me vê desnorteada

nem imagina que aceitei a submissão de joelhos

e que rastejo sem medo

pra tocar as palavras mais amadas,

os sentimentos mais místicos,

as vontades menos tristes.

e é bem verdade que

penso muito sobre deuses, filosofias,

sistemas, nomenclaturas, teorias

mas eu não sei o que fazer

com esse album no repeat,

não sei o que fazer quando amanhece,

não sei como me desfazer

desse copo americano quebrado,

dessas datas reviradas,

dessa cartela esvaziada.

eu não sei o que fazer com esse peso,

já não sei se me vou ou permaneço,

já não aguento o silêncio dos espelhos.

e se reflito um papel em branco

concluo com um suspiro que

até mesmo o silêncio

já deixou de ser um estranho;

agora o silêncio

é meu silêncio

e meu silêncio é um bicho indomável

espalhado pela casa

perigosamente entranhado

no olhar parado

na brancura das paredes

no telefone tocando sem parar e

naquele ventilador meio quebrado

que assisto balançar de um lado a outro

em meus momentos mais solitários.

meu silêncio é um espaço

personificado nos cinzeiros cheios,

nos incensos queimados, nas garrafas vazias,

nas fumaças impregnadas de poesia e

mesmo que eu dê jeito em tudo ou limpe a casa

meu silêncio é um estado, uma corrente,

uma névoa persistente,

um soco na cara.