cenário dezenove

Cenário dezenove

Os pés latejam o dia viajado,

Cada um fugindo de seu passado,

A égua fura a cerca, o mata-burro,

Corre de pés esfolados

Sangrando sua vontade,

Calcando futuro...

Carne de égua, mortadela,

Não assombra sua vontade de ir,

De ir-se como eu, como nós,

Pele esfolada, costela ardendo

Sob o manto peludo de cada um

É desgraça: a pedrada do mundo

Sobre a dor do moribundo.

Velha égua de levar donzelas

Pelos jardins e pomares...

Velha de carroçar milho pro terreiro,

De fazer girar o engenho,

A esperar-se mortadela...

Corre, vizinha, que faço tua sina

A minha, na espera.

Cenário vinte

Jogo pela tua sorte,

Quero que vença o farpado,

Corra tua vontade por esse prado,

A pascer tua aposentadoria...

Tão merecida quanto a minha.

Nem as moças da charrete,

Nem o milho, nem a cana,

Lembram sua convivência...

Nem este matador sem sua crença,

Só resta acender-te uma vela

Nos estrepes da cerca viva,

das farpadas, das marchas e corridas,

A perder-se no cansaço

Da esfolada canela, a escafeder-se

Nisso, de correr comigo,

No fim de nós ambos, no escambo

Virar esse bagaço

Em curto espaço.

Sergiodonadio.blogspot.com

Editoras: Saraiva,Perse, Incógnita Portugal

Clube de Autores, Amazon Kindle

sergio donadio
Enviado por sergio donadio em 29/02/2016
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