Ele Nunca vai Saber

Num dia qualquer qualquer dama estava a tomar umas no bar,

Chegou-se um qualquer senhor, sentou-se e pôs-se a falar,

'Deixa-me pegar tua mão, teu seio, sou limpo e o motel está ali',

'Sou casada, meu senhor, e muito bem casada', disse ela a rir.

O senhor limpo que sabia do motel sorriu feliz da vida àquela dama,

'Sim, meu bom senhor, deixo-te que me leve a qualquer cama'

'Não se preocupe, minha dama, o seu marido nunca vai saber'

'Por isso aceitei, meu senhor, o meu marido jamais vai saber.'

As borboletas no estômago deixaram de viver a muito tempo,

As palavras de carinho são raras, há muito sem significado,

O Para Sempre não passou na história dum mero momento,

Esquecemo-nos dos sacramentos, expirou-se o casamento.

Todas as palavras ditas foram desditas pelo implacável tempo,

Todas as regras antes certas hoje são só falácias do passado.

Qualquer dama e qualquer senhor perderam qualquer amor,

Deixando que desaparecesse na dor um passado apaixonado.

Em nome do futuro futuro seco destruamos os passados passados,

Pois é mais lógico o zoológico que aquele tonto trato mágico.

Até o mágico, até o bancário, até os terrestres, até os alados,

Esquecem-se do trato, riem de quem cumpre o trato mágico,

Esquecem-se do que escolheram porque a magia no dia a dia fica má,

E quando a bola de neve começa quer dizer que nunca mais irá parar.

Matam metade de sua vida apenas para viver a outra metade,

Enterram-na tão fundo que nem veem mais nenhuma maldade.

Numa noite um homem qualquer assistia a um bom filme no cinema,

Chegou-se uma mulher qualquer com uma proposta talvez insana,

'Desculpe, minha senhora, mas eu já sou casado há vinte e um anos',

Ela sorriu no escuro e respondeu, 'Tudo ficará por baixo dos panos'.

Um único beijo então quebrou duas décadas de qualquer passado,

Desecadeou um algo desincomum que sozinho se refez deserrado.

O beijo proibido teve um sabor melhor pois era desacostumado,

Desarrumou-se a vida de qualquer homem em qualquer caos arrumado.

Foi-se uma promessa feita por alguém que podia fazer a diferença.

O que os olhos não veem o coração não sente, nós gostamos de dizer,

E algo tão simples se torna utopia, não há o que se possa fazer.

A brincadeira de casinha que antes fora um sonho de criança

Tornou-se um pesadelo que as pessoas tentam inutilmente esconder.

Homens e mulheres negam-se a aceitar que a única prova de amor

É aguardar sem trair até ser traído você mesmo, guardando para si a dor,

Pois amava o traidor. Amava muito o traidor. Sim, como o amava. Amava, traidor.

…Amava o traidor. Amava, o traidor. Amava o traidor. Quem trai deixa ao outro a dor.

...Desesperado, abandonado, dor. Dor deixada num passado. Dor comum, desprezada.

…O marido da minha mãe. A ex-esposa do meu pai. Normal. Que mal. Agora normal.

Na terra de palhaços os laços ganham muito mais pontas,

Como são tontos os bilaterais. Como são tontas as pessoas.

Os contos de fadas têm mais fadas do que quando criança se pensa,

E fadas não respiram o nosso ar. Aqui não poderão nunca respirar.

Era uma menina muito feliz que fazia o papel de esposa,

O primo falsamente contrariado tinha que fazer o papel de pai.

As bonecas eram as filhas, os ursinhos de pelúcia eram os cães,

Os montoados sujos de areia eram os bolinhos doces e os pães.

Quando a prima chegou quis também se juntar à brincadeira,

Roubou o papai das bonecas, deixando sozinha a primeira.

Era a brincadeira de criança do século XXbolinha,

E seus filhos, os de verdade, um dia praticariam poligamia.

26/2/2016