Sou nada

Acordam o que de pior há em mim

furam

e perfuram

inscientes

a dor sem resposta

o segredo sem tramela

a noite no portão esperando por ela

mergulho na convicção de ser tudo

que não fui

e duvido que serei

eclipse ou vento

ser humano

nem que seja por um momento

nada tenho de meu

abraço com os braços da culpa

sou nada

nunca fui nada

além de um amontoado de ossos, pele, músculos e vísceras

o que me faz sentir ser algo ou alguém é este sentimento

que me faz chorar de repente

cansado de ser adulto

insolente

prepotente

intocável

pelas tantas certezas que se me arvoraram no caminho

cansado de ser este homem

com saudade de ser menino

o que me faz sentir ser algo ou alguém

é este sentimento que me põe para dormir

nos braços exaustos de tanta ausência

há uma artéria pulsando no impasse da vida

na certeza da morte

cilada

engano

embuste

revelia contida no inescrutável da sorte

nada morre

o "fim" é um assombro inacabado

aprisionado

um nascer em um outro lado?

do nada, nada vem

para o nada, nada vai

os mundos e os homens inclinam-se para a luz

momento a momento

navegam

desenhando e contemplando um céu na varanda

prisioneiros deste universo friável

de inescrutáveis sortilégios

sinto ser algo ou alguém

na mão estendida para um amor que não vem

calmo girassol buscando o sol em olhares

fitando olhos lilases

arco-íris furta-cor

caladas estrelas decifrando a noite

decifrando o intrigante instante

que canta canções de bilhões de anos atrás

esperando que digam algo em tom azul

e eu leve comigo o teu rosto

no bergantim das saudades

que passa

nuvem lenta

punhal cansado da dor

das doloridas verdades