Elegia

Entrego meu corpo

à navalha do tempo.

Mas ao invés de liquidez e alentos

o vermelho do sangue abundante

flui entre minhas mãos

como um pó de incinerações.

Logo eu, tão pagã,

refém dos questionamentos,

dos silêncios, das palavras,

da mística dos sentidos,

consorte do medo do tempo e dos ritos

levo em minha pele

um corte de paredes

donde verte apenas concreto

e mais sede.

Logo eu, tão pagã.

Suja de mim mesma

emergi com os olhos costurados

pela luz absurda dos deuses;

arranquei o ponteiro de todos os meus relógios e

guardei-os em mim, em minhas visceralidades.

Desde então sinto os movimentos

de um mecanismo roto, de uma ampulheta quebrada,

de uma náusea de ferrugens, de lamentos, de gozos, de Nadas.

Sinto, como um pêndulo,

o bater dos meus Silêncios.