Um fiapo, Uma vida

Uma menina sozinha

Era diferente de todas as outras,

Por isso a chamavam de Estranha,

Estranha andarilha.

A Estranha caminhava

Pelas veias do destino

Trajando um vestido

Vermelho que a coloria.

Ela tinha uma missão,

A de pisar em todas as terras,

Em cada canto da esfera

Um fiapo do seu vestido.

Os homens e mulheres

A olhavam com esmero,

Tiveram coração de ferro

Tinham coração de poesia.

E quem assistia de longe

O andar da tal da Estranha

Procurava o fiapo

Dentro da boca do sapo.

Belzebu que os tentara,

Fizera-os marionetas

Como Platão denunciara

Da tinta, poesia e caneta.

Doce a vida de quem havia

Achado o fiapo no rosário,

Os espinhos que a flor tinha,

Incômodo meramente hilário.

E aos pobres digeridos

Por entre cemitério entomológico

Restavam os vícios amaldiçoados

De Belzebu e do sapo.

A Estranha caminhava

Pelos cinco continentes

E quem ela tocava

Passava a ser contente.

Visto que muitos queriam isso

E a Estranha era lenta,

Homens tentaram vender

Fiapo enlatado.

Deram novas cores,

Adicionaram novos sabores,

Ficou simples e prático

Ter o seu fiapo.

E quanto mais eles compravam

Mais eles viam aquilo

Não valia nem de perto

Um fiapo da Estranha.

Descartaram todo mês

Descartavam toda semana

Nunca esperando sua vez

Pelo fiapo da Estranha.

Quanto mais se enchia o lixo

Mais escuro era o vestido,

Assim de vermelho ficou vinho

O vestido que ela vestia.

A Estranha continuava

A caminhar pelo planeta

Mas onde ela parava

Agora só achava encrenca.

O vício das pessoas

Era forte e imbatível,

Tornou-se descartável

O fiapo Daquele vestido.

Agora que já faziam

Os seus próprios vestidos

O destino era um brechó

E a Estranha uma publicidade.

Pessoas de toda a Terra

Colecionavam os fiapos,

O homem virou fera

E a Estranha estilhaços.

Eram tantos novelos de lã

Pelas ruas e calçadas

Que se tornara vã

A Estranha estilhaçada.

Chegaram a um ponto

Em que o fiapo nada era

E agora a nova moda

Era mesmo ter bonecas.

Homens então passaram

A ter bonecas e bonecas

E agora os fiapos

Não valiam uma merreca.

A Estranha ainda assim

Zanzava pelo mundo.

Mesmo com vestido negro

Ela ainda não tinha chegado ao fim.

As bonecas dos homens

Logo foram insuficientes

E em nome de tempos melhores

Fizeram bonecos para as mulheres.

Os fiapos da Estranha

Agora borrava de tinta

O chão onde caía

E a mão que o pegava.

Os artistas de Belzebu

Depois dos sapo e insetos decompostos

Saíram para o mundo

Com cólera e mágoa em seus rostos.

Choravam no papel

Já não em branco

Por um fiapo vermelho

Da Estranha, O Anjo.

A entidade ainda

Caminhava nos planetas

Trazendo discórdia

A todas as facetas.

Mas a tinta que borrava

Era levada às penas

E os artistas que choravam

Criavam poemas.

O negro vestido

Ganhou fiapos vermelhos

Que caíram nas mentes

Dos criativos artistas.

Eles agora

E por todo o resto da vida

Caminham confusos

Buscando a sua rima.

Todo e qualquer fiapo,

Como sabe tem dois lados,

Mas quem o destino reservara

Fora vendido feito bonequinho.

No brechó da vida

Ouve-se à distância

Os loucos chorarem

Com ela, A Estranha.

Um vestido vermelho

Que mal dá para o corpo

Produz agora a tinta

Que costura a poesia.

O mundo lá fora

De bonecos e bonequinhas

Há tempos se fora,

Restou a selvageria.

Caminhando e cantando,

Seguindo a canção,

Poetas enlouquecendo

Amados ou não.

Quando o mundo acabar,

Não restar uma só pessoa,

Tudo o que sobrará

Serão fiapos e brinquedos.

Nunca mais fios vermelhos.

Nunca mais fios vermelhos.

Exceto os cabelos

Tingidos de vermelho.

20/2/2016