Vaga a vida

Vaga a vida antiga e tardia

efêmera rosa vermelha

ramalhete de lembranças

âncora de ilusão dissimulada

sombra despedaçada

em vítreos cacos de neblina

Vaga a vida errante

com fome

Vaga o homem espantado

com fome

Vaga o cão espantalho

com fome

Vaga o grito sem origem

náufrago desolado em angústias

calado na mixórdia das dores

e na mentira dos espelhos estilhaçados

Perambulam pelo drama da vida saqueada

Crianças famintas esperando dentro da fome

crianças esfomeadas sentadas em cima da fome

crianças famélicas esmagadas embaixo da fome

Giram as engrenagens dos relógios sem memória

e da máquina com fome

mentindo para um mundo nostálgico

e suspenso

transido de medos

a nos devorar

com tantas certezas saqueadas

e um só destino

um mundo de arrivistas

um mundo de parasitas

olhando escarnecidamente para nossas lágrimas

Vaga a vida parva

mesquinha

fadada pelos instantes

sem alma, sem verve e sem nome