E um dia vamos embora

E um dia vamos embora

Quixote combatendo moinhos

da pretensa realidade

onde tudo não passou de um sonho fugaz

esperando pelo tempo maturar nos campos

para acontecer

tão imortal quanto a alma do homem

tão infrangível quanto este ruído eterno no ar

e a ausência do humano

pétreas sombras esperando em cada esquina

arrivistas do medo

esmagando os passos e os sonhos

fragmentos de palavras insinuadas

comovidamente silentes e doces

o gesto suspenso e dissolvido antes da forma

a esperança cega e estéril dos homens simples

o canto dos pássaros entre a neblina

pairando sobre tudo que deixamos pela vida

como quem deixa bugigangas pelo chão

E um dia vamos embora

fomos só a personagem que imaginávamos ser

personagens introjetadas

bonecos de ventríloquos

fantoches e mamulengos

não nos atrevemos

não levantamos a cabeça

para que os olhos pudessem ver a injúria

e a ânima pudesse fazer da injúria

a mitigação das dores, amparo para a luz do sol

e consolação para a alma sufocada pela razão

pelas máscaras

neste teatro onde atuamos

irrefletidamente

sofregamente

solitariamente

sem sequer vislumbrar a Pergunta

oculta na claridade

em meio a tanta ilusão