Relógios

a eternidade não cabe

nas oligofrênicas engrenagens dos relógios

os dias amanhecem e anoitecem sem relógios

as noites seguem descendo pelas irrealidades

os dias arquitetam e arrumam as flores

e repetem com voz rouca os finais de tarde

há bilhões de anos

amanhece e anoitece

entre o claro e o escuro

entre tons de cinza

vermelhos rubros

enchendo o ar de estesia

azuis maduros

amanhece e anoitece como se respira

e se faz o mar

e a ave voa

e se faz o amar

e os barcos partem por que a maré está boa

para se partir

sem relógios

de horas e relógios nada dizem

por que nada sabem

o tempo, assim repartido, não existe

tudo falaz ficção

a que hora devemos amar?

fazer o verso?

cantar de pura emoção?

a que horas a rosa deve se abrir

úmida de orvalho e realeza?

a que horas a minha mão resvalará a tua mão...?

e então...

estarei ligado a ti para o agora e o sempre

Os relógios nada sabem do Devir de cada ser

o tempo rói os despojos das vidas

matraqueando incessante

de dentro do fosso falacioso das horas

segundos

minutos

horas

não fazem falta

dias

anos

séculos

milênios

sucumbindo nos calendários

não fazem falta

nada dizem

pura elucubração mental

só metem medo

e nos afogam em angústias

se tudo é imprevisível segredo

miragens, catarses

engodos que os dedos jamais tocarão

jamais contarão

por mais que imploremos

mas, todo dia e toda noite são uma esperança

de que o gesto seja feito

pelo simples fazer-se do gesto

guardado em nossas mãos

em nossos corpos

alheio ao tempo falacioso

antes de a paisagem se apagar calada

e partir devagar na canoa que nos levará

dentro do silêncio de casa trancada

posto que tudo antes de ser aqui fora

já é aqui dentro

aqui fora não há nada...

não há nada