Os meus Grilhões

Pessoas perfeitas, arrumadas, que não têm espinhas no rosto,

Dentes alinhados e corpo forte, que se misturam com o grupo,

Vocês ficam lindos assim, cada um fazendo sentido em seu posto,

É só uma pena que eu não consiga acompanhar. E por isso me culpo.

Culpo-me pelos foras que a vida me deu e me dá

Enquanto admiro invejoso os seus corações,

Minha mente pode até ser da cor de panapaná

Mas o meu corpo, ao meu corpo, prendem-se grilhões.

Os passos pesados penosos fugindo das luzes,

Eu fiz eu mesmo da vida uma via-crúcis.

Versos errados que eu nunca saberei metrificar,

Vocês têm estilo e assinaturas, eu só faço resmungar.

De sala em sala, de pessoa em pessoa, eu vejo a areia cair,

E de fala em fala, de hora em hora, meu espírito começa a latir.

Vocês são todos leves e lindos voando com asinhas de canário,

Vejo seus sonhos, seus quereres, suas vidas, um enorme relicário,

Eu ando feito quivi com meus cadarços desamarrados,

Passo vergonha, tropeço, riem de mim, me disfarço.

Abaixo-me num canto e o coelhinho refaz o laço,

E os canários impecáveis voam pelo infinito azulado.

Quem sou eu neste mundo? O que fazem meus grilhões?

Por que são neste mundo? Quantas cores têm seus corações?

Pessoas perfeitas, canários coloridos maravilhosos que se divertem,

Vocês sabem bem viver a vida enquanto me recolho na toca,

Meu espírito na verdade só grunha, vocês, sim, é que latem,

Vocês latem alegres e estranhamente o barulho me desfoca.

Desfoca-me a visão e torno-me cego, um tonto, um idoso,

Envelheci aos dezoito, agora sou só uma piada,

Vocês são carnívoros espertos, o seu mundo é maravilhoso,

Sou um herbívoro tosco, sem nem vida ou estrada.

O brilho de entusiasmo os brilha, os faz mais felizes,

E estranhamente eu caio ajoelhado preso às raízes,

Sem os aceitar, sem me mudar, sem me melhorar,

Acho que fiquei velho. Passarinhos sabem voar,

Mas de alguma maneira eu não. É culpa dos grilhões.

Infelizmente não sou um dos canários de corações.

Então voem, vão, voem todos os passarinhos,

Voem e deixem nós idosos sozinhos.

O barulho nos perturba, a festa nos desarruma,

Não vestimos fantasia, nem mesmo temos nenhuma.

Nós, eu acho, pois devem haver outros como eu

Que estramente não gostaram quando o som apareceu.

Realmente estranhamente, pois a TV diz que era pra ser bom,

Eu não entendo isso. Nada disso me parece bom.

É o carnaval. É o carnaval. Entende? É o carnaval.

O carnaval que não entendo por que é feliz,

Falam de camisinha, de bebida, de coisas que nunca fiz,

E comemoram. Comemoram muito. Carnaval do animal.

Não suporto pensar em curtir esse tal do carnaval,

O que tem de legal em fantasias e comida?

Não quero álcool, e não faz nem sentido, já tomam o ano todo,

E como no carnaval nós podemos transar com tudo?

Isso não faz sentido nenhum. Não faz, minha gente!

Pensem melhor, pensem diferente.

Não é assim que os heróis dos filmes se divertiriam,

Nem o vilão faria isso. Ninguém faria isso.

Eu não consigo entender de nenhuma maneira

O que há de legal em pular a semana inteira.

Quer pular, pule, e também se fantasie se quiser,

Mas fazer disso um evento nacional do prazer?

Não estou entendendo, sinceramente, o motivo disso,

Utopia não existe mas têm coisas que forçam a barra,

Vestiu-se de bruxa e caiu no próprio feitiço?

Ah, por Deus, bruxa, você é burra?

Ou eu que sou louco? Será que eu sou louco?

Nossa, gente, sou eu que sou louco?

E tem aquele som, a festa, o barulho,

Todo o mundo bebe, briga, se diverte. Como assim?

Não faz sentido. Não faz sentido. Precisa ter um fim.

Ou são meus grilhões?

Feliz carnaval (?).

8/2/2016