A lona
Matei meus pais,
Meus tios,
Meus avós,
Meus amigos,
Todo mundo, depois que saí daquela lona.
A bailarina gira tão bela,
Tão frágil e delicada,
Tão constante e sincronizada.
O palco é todo dela.
Só não sabem que ela é fria,
É uma boneca, sem par, vazia.
E o Seu Palhaço sempre risonho,
Todo pintado,
Fingindo ser equilibrista sobre um tambor,
Tão engraçado.
Só não sabem que ele sofre todo dia por amor.
O trapezista é o encantado.
Parece que voa, parece que flutua,
O número mais esperado,
Seu corpo é feito de bravura.
Só não sabem que ele teme,
E quando chega a hora de pular,
Ele treme.
A contorcionista é exagerada,
Contorcendo – se de lá pra cá,
Feito uma chama recente,
Fazendo aquela cara de má
E depois rindo contente,
Toda alegre com sua flexibilidade.
Ninguém sabe, mas ela é pura vaidade.
O pianista, coitado, tão brilhante,
Exímio, com dedos de borboletas,
Esquecido por nós por não fazer “parte” do show.
Trilhas tão lindas quanto as nossas piruetas.
Ninguém sabe, mais um dia, ele arrasou,
Fez seu número e nos abandonou.
E eu? Não sou ninguém.
Sou só a garota da corda bamba.
Sei de tudo isso.
Sabia. Pois eu via.
Eu vivia nisso.
A linda garota um dia quis,
Teimou que sem rede faria o número,
Ficou saltitante, feliz.
Num deslize escorregou.
Rodopiou no ar, voou.
Pra longe daquela lona,
Explodiu feito os fogos: de uma vez.
Foi – se seu segundo de altivez,
Virou o anjo de um circo,
E naquela lona deixou cada um com sua saudade.
Cada um com sua história e sua verdade.