"Réu"
Culpado, culpado...
E culpado!
Isto é tudo quanto eu gostaria de gritar por toda eternidade...
Nesta lástima de humanidade desumana...
Na saudade esfumaçada...
Nos cantos d'um lugar no qual já fora um lar...
Óbvio!
Inadmissível!
Dizia eu
E você dizia:
_Quanto radicalismo...
Extremista!
_Pássaro d'asa quebrada, não voa e d'nada se alegra no canto...
E daquela baladeira...
Fui eu a pedra assassina, o sopro e o tiro...
Findando a ventura e calando o canto, no eco do desengano!
Eu fui o fogo à devastar toda a fazenda ...
Todo lavouro onde plantávamos nossos sonhos e colhíamos a paz...
Refazenda dos palmares milagrosos!
Culpado, culpado...
Culpado, seu juiz!
Ah...
Sempre a frente...
Eu estava ali, guiando o meteoro que nos atingiu...
Aquele vasto corpo galáctico, enternecido em nosso tão mortal universo...
Destruindo e varrendo a delicadeza das orquídeas e cobrindo o sol de poeira e dor...
Assim estaria ao amanhecer...
Desacordado ao fim de tudo em que um dia se foi vida!
Foi eu o construtor da ferrovia, o trem a cruzar a linha do tempo...
O condutor à acelerar a máquina, rompendo a estrada de nossas vidas...
E o corpo a se jogar sobre o aço...
A pressa da partida, a chegada indesejada...
E a insana despedida!
Hoje já não tenho a opção de continuar, nem suporto mais os delírios d'infinitos megatrons...
Queria ficar só mais um pouquinho...
Mas enfim despeço-me do vento, do frio, da falta d'ar...
E do nada!
Levando comigo tudo que sempre foi para ti, menos que o ínfimo!
Tudo aquilo que por direito me pertencia, mas que jamais possuí...
E como no dia em que minha genitora conheci, estou eu aqui...
Rumo ao início do fim...
Como no primeiro fôlego, sem amor...
Sem lembranças que valham a pena...
Sem preces ou tesouros...
Sem possibilidades, sonhos ou dons...
Sem asas, sem cânticos ou mesmo um pedaço seguro d'chão!
E chorar agora só vai me lembrar d'tudo que nunca vivi...
D'tudo que uma mãe sente em abraçar um filho inexistente, o qual nunca se quer nasceu...
Tão completo como o céu sem o sol e a lua...
Nú, totalmente despido do brilho das estrelas e da maciez das nuvens!
Não vou chorar pela cruel astúcia do passarinheiro...
Do ardor deste caos...
Do mundo em que o meu misticismo destruía...
Nem muito menos da falta d'amor...
Nem do trem que destroçou-me o peito...
Pois sou tão culpado quanto o dia de ser claro e a noite de ser trevas!