E assim vamos vivendo III

e assim vamos vivendo

para ver o novo

e o avesso lento e antigo do novo

arranhando a madrugada

antes que esqueçamos

o gesto dentro da sombra estilhaçada

antes que a noite

e o céu espalhando noite

ocultem-se dentro do nada

antes que esqueçamos

que a verdade está

no quando e no quantum de cada ser

antes que desapareçam

absolutamente voláteis

no burburinho da vida

os milagres e as graças

e que o dia se ausente

e que o mundo se sustente

numa só pergunta

numa só resposta

e leve consigo a clareza

a pedir silêncios

na distância entre as palavras

e tempos atados aos momentos

da mais profunda ilusão

e assim vamos vivendo

caminhando caminhos emboscados

sem atentar aos passos dados

caminhos inamovíveis e mudos

misteriosos

agudos

insondáveis destinos

que nos perpassam

no refúgio do sonho

aparentemente

sem nenhum sentido

carentes de um porquê

e a vida, então, estremece

comovida e fremente

como rogo

como prece

na inquietude dos dias

tocados pelos ventos

que passam

e ardem versos

e cantam sonhos

e choram em silêncio

sem, no entanto,

nunca nos encontrar