E assim vamos vivendo II

e assim vamos vivendo

colhendo flores

que não deveríamos colher

roubadas aos olhos e ao toque de outrem

sem pudor

pela ânsia da posse corriqueira

de um prazer ou de um desejo inominado

vendo partir o tempo que não morre

e nem se extingue

escorre

por onde passam os ventos em périplo

a caminho dos vales guardados

entre segredos vários e inexatos

deixando a eternidade acesa nos grãos da brisa

no destino sem regresso

deixando a espera desenhada

nas janelas entreabertas

e ofegantes como mãos colhendo sonhos

e assim vamos vivendo

tateando infindáveis rascunhos

esboços amarelando nas sombras

das ausências despenhadas

e do despetalar das flores

esboço de céus infrangíveis

das chuvas aguardando as tardes

da febre no chão e no ar depois da chuva

quente e olorosa

e assim vamos vivendo

sem sonho, sem utopia

acumulando um dia

por cima de outro dia

buscando algum sentido

onde só há a vida fria

da semente que sem nascer

[já era morta

[já morria