Ano novo? A gente é quem faz

O que há de novo no ano novo

se não o mesmo e velho desejo

de se ser inteiro mesmo depois da queda

de se achar no vazio dos caminhos escuros

tocar a vida com as pontas dos dedos

e dizer,

mais que dizer,

apossar-se do encanto infatigável

de que:

"Esta vida é a tua vida"

O que há de novo no ano novo

se não este sentimento indefinido e indefinível

que faz do instante o encontro imperceptível

ave sustentando ventos

vertigem

vestígios de passados

palavra se aproximando

e repousando entre os lábios

a dizer:

"Esta vida é a tua vida"

O que há de novo no ano novo

se não as águas em fuga do rio ausente

o gesto a afagar a solidão das faces

a luta de se procurar e de se inventar dia após dia

o amor desenhado em fogo

as noites esperando pelo silêncio dos grilos

a lágrima dizendo:

"Esta vida é a tua vida"

O que há de novo no ano novo

se não a vida nos dizendo:

"Esta vida é a tua vida"

*Como se as sílabas te queimassem os lábios. *(Mia Couto)

Que do ano que se inicia saibamos fazê-lo realmente novo!