MITO

Tudo o que eu acredito, é mito,

Minha alma não tem sossego,

Tenho emprego decente,

Tenho dentes,

Sou virginiano e não faço planos,

Tenho plantas nas janelas.

Meus olhos são duas barricas

Que se enchem facilmente de água,

Acho que isso se chama lágrima.

Viro a página para poder viver o próximo dia,

Mas as próximas horas estão tão longes do amanhecer,

O que devo temer,

A não ser amar, sem saber?

Sonho com nova casa, sonho com automóveis,

Móveis novos na sacada, brinquedos no corredor.

Do que tenho medo, se tenho amor?

Tudo o que eu acredito, é mito,

Mas minto para mim mesmo

Dizendo ser a última vez,

Último trago, último cigarro,

Último beijo, talvez.

Tenho porcelana sob os pés,

Torneiras com água quente,

Ao invés de um teto,

Tenho estrelas.

Sinto tanta vergonha do que sou

Que tento fazer o que não sei,

Mas os mitos não se quebram facilmente,

São como ídolos doentes

Lutando contra o câncer.

Mas domingo que vem farei mais,

Colocarei mais pratos na mesa,

Acenderei mais velas,

Comprarei mais comida no supermercado,

Ficarei calado, enquanto os outros falam,

Serei mais ouvido do que lábios,

E ainda pendurarei aquele quadro centenário na parede.

Acho que mudarei a cor das paredes,

Quero mais verde, quero mais vida.

Vou convidar contraparentes,

Agregados, tios cansados,

Colocarei flores nos vasos

E rezarei um Padre Nosso,

Pode ser que eu ainda me lembre...

Mas tudo o que eu acredito é mito,

Então tocarei piano mudo,

Deixarei chegar a minha vez,

Sou freguês da banca,

Minha tez é branca

Mas minha alma não tem cor.

Acredito tanto no amor, que é um mito,

Que desacredito do ódio,

Posso pensar em ferir ou matar,

Mas sem a intenção do ato.

Posso, de fato, ser diferente,

Agir calmamente nas situações mais difíceis.

Tenho pena do Cristo,

Tenho a cruz na minha testa.

Minha vida presta, mas tudo o que eu acredito, é mito,

Presente, ora ninguém, então, brinco com o ausente,

Digo que meu coração é caro

E raros são os momentos da razão.

Vivo na escuridão do solo

Em que piso diariamente.

Minha alma sente frio, e não se aquece,

Não se esquece daquele inverno

Que mais parecia um inferno.

Para que tantas pessoas,

Se tantas delas não são boas,

Porque tão pouca terra para enterrar tanta gente?

Mas até a morte, tudo o que eu acredito, é mito,

Mas não sofro penitência, morro sim, de saudade,

Não peço clemência, ou piedade,

Não peço nada, porque mitos não são palpáveis.

Como demora para esse medo sumir do espírito

E deixar as portas abertas para o infinito,

Onde nada é eterno

E tudo é um mito,

Eu acredito.

MARIO SERGIO SOUZA ANDRADE
Enviado por MARIO SERGIO SOUZA ANDRADE em 27/12/2015
Reeditado em 27/12/2015
Código do texto: T5492494
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