Das Tantas Mulheres Que Sou
Queria ser já velhinha - olhos miúdos - a fazer renda...
Ser a filha de santo, de branco e patuá - levar oferendas a Iemanjá.
Ser a menina sapeca, com fivelas e sardas e fazer cobras com massa de modelar ... Que a vida é arte, de crescer e criar.
Queria ser perua maquiada, e no alto de um salto me embebedar de perfume e tornar-me fada.
Ser travesti - dourada em punhal e purpurina - que a vida não traz falhas e é feita de muitas esquinas.
Ser vendedora ambulante de sombrinhas, miçangas e loção cicatrizante. Que a vida, vez por outra, é uma pausa no ballet do imprevisto.
Queria ser carola que ora e buscar num cálice o sabor da fé.
Ser meretriz nos arredores das docas. Me vestir e despir pra três amores: o estivador, o capitão e o mar.
E das tantas e tontas que sou, por vezes me arrebento.
Sou desejo e sou lamento.
Mas das tantas mulheres que sou, todas elas estrelas em movimento.
Delas me nutro.
Outras me invento.
Alyne Costa, Salvador, fevereiro de 2005