Estranha criatura
Mostra-se como objeto definido,
que imita mas transcende a realidade;
tem corpo de matéria e o ardor de um grito.
Vive além da quimera e da verdade,
mas há predileção pela primeira,
pois seu âmago em sonho é que então arde.
Na mente se revela em forma inteira,
abrindo espaços no alto contemplar
do que no mundo existe, sem que queira
em seu sublime intento transformar
o que já é demais firmado em terra,
o que não tem valor quando a sonhar.
As portas da ilusão logo descerra
e faz com que penetre a voz do vento,
a qual se inflama, ascende e do alto berra
ao mundo o quão excelso é o pensamento,
como distante voa a mente viva,
como o infinito agarra-se ao momento!
E em grandes corações por fim aviva
os rotos elementos que há no mundo,
da percepção fazendo coisa ativa;
pois quando se reduz além do fundo
abismo que há na mente, vai e revela
seu verdadeiro corpo, que é fecundo,
o qual a coisa inútil sempre eleva;
e alonga os seus tentáculos no chão,
a fim de captar a luz e a treva
que residem no brado de um leão,
em todos os espaços do universo
e onde os humanos olhos nunca irão.
Então do que percebe cria o verso
e um estado quimérico decreta,
a corromper o real, que está disperso;
porque criar nova Ordem é a meta,
e por esse motivo a tudo adapta-se
a amórfica consciência de um poeta.