POEMA ACÚMULO: REGENTE INOMINÁVEL SOBRE OS TELHADOS DO MUNDO
Existe uma fina camada de ausência inominável em cada coisa que existe. Tão sublime quanto imperceptível, reveste , permeia
e dá continuidade aos entes nunca distantes na vastidão reunidos.
Tal ausência motiva a vida, breve candura da açucena que fenece radiante e solitária sem que vejamos na terra os bulbos da próxima amarílis.
Breve ausência permanente, em cada objeto a falta anima.
A falta anima o seixo no leito do rio desde o tempo em que era rocha no alto do pico extremo onde a montanha é um desenho
disforme como se a sombra do mundo só desejasse sedimentar-se estendida na praia distante.
No longo percurso de retornar e ser a soma das ínfimas partículas, cada parte encontra seu lugar na sobra do que um dia foi montanha e seixo. Assim o seixo acumula ausências para matar a fome do peixe enquanto a água mata no homem a fome.
Esse olhar estendido sobre os telhados invisíveis que cobrem o mundo na solidão reúne todas coisas abrigadas cobertas daquelas camadas de ausência inominável e revela uma só família protegida do vazio que se estende pelas ruas e penetra as casas e o noturno onde habita em cada indivíduo.
Porque na pele esticada do rosto da criança que chora, a face da fome é o mesmo desejo de ser um só, o desejo de não ser
ausência intransponível, o desejo de vibrar a vontade e a potência da alma encolhida e desabrochar na densa camada nomeável de silêncio na poesia.
Tal ideia, por ser breve e certa, transpõe a solidão egoísta
e alcança na vastidão da miséria compartilhada a solidão profunda de estar consciente da inutilidade dessa mesma percepção.
Se vê aquele rio desabar do céu vê também as avenidas vazias
debaixo dos pontilhões iluminando o desejo de não estar, de não sentir, de não ser mais que o laço bem feito de um abraço,
de ser o que a palavra não acalça, mais que o dizível, mais que o breu no vazio.
A ausência-motivo transcende leito, transcende rio. Seja no alto pico da montanha ou dentro do mínimo seixo ainda é o silêncio faminto o provedor desse acúmulo regente inominável sobre os telhados do mundo.
*
*
Baltazar Gonçalves