Embarcações

No começo,

- que nunca é o começo -

o tomate estava inteiro,

qual pintura de amor desabitado.

Inacessível como a totalidade.

Um corte rápido,

apresentou duas metades...

Duas inteirezas,

com misteriosas sementes

e infinitas formas

nos cortes que se impunham.

Tiras laminosas

amargariam o vermelho.

Queria barcos

navegadores de rios,

doces.

Quando criança,

cortava os tomates em barquinhos,

assistindo a mãe preparar

a farofa da pescaria do pai,

que ganhava o rio

na embarcação maior:

Passárgada.

Vez por outra,

fingia picar cebola,

quando os filhos

adentravam a cozinha,

enquanto enchia o rio

de sua própria navegação.

Preparadas as embarcações,

dispôs cada uma delas

em uma direção,

formando uma vitória-régia...

[A Estrela das Águas

é o prêmio da lua a Naiá,

ante a ânsia do encontro impossível].

Ao final,

- que nunca é o final -

embarcou em uma delas,

na direção d'onde se ouvia

o canto do silêncio.

A tarde tornara-se noite,

quando as flores perfumosas e brancas da vitória-régia

se abririam.