UM POEMA ESCONDIDO

Por detrás de pedras,

sob o reflexo das águas,

por sob o verde do mato,

na linha fugidia do horizonte,

oculto nas sombras, por entre violetas e lilases,

há um poema me espreitando.

Talvez queira me falar de coisas que ainda não sei.

Dores que ainda não senti.

Amores que ainda viverei.

Beijos que ainda não beijei.

Abraços de amigos novos que virão.

Primaveras floridas. Outonos amargos.

Dias fáceis, outros terríveis.

Uma viagem, um reencontro, uma despedida.

Festas ao som de violinos e flautas de pan.

Uma dança ao luar.

Uma lágrima por alguém que partiu e não vai mais voltar.

Solidões banhadas em esperanças de dias melhores.

Uma cigana que me prescreve fortuna.

Um tarô a me alertar sobre inimigos ocultos.

Saudades do meu rio no sopé da montanha,

um rio que a ganância do homem matou.

Aquele peixe que pesquei ainda criança,

de brilho espetado a faiscar no anzol das lembranças.

Estou grávido desse poema que guarda uma infinitude de segredos.

Um dia, ele se inscreverá numa página em branco e passará a existir.

Estou de tocaia, pronto para capturá-lo.

Pressinto a carícia das palavras que talvez soprem feito brisa.

E meus ouvidos anseiam pelos sussurros de tempos outros,

ternuras tais que farão adormecer as tristezas

para fazer germinar as utopias.

Esse poema, talvez fale de um país onde os homens se entendem,

onde existe ainda a solidariedade e todos queiram conversar

nas calçadas, inventar histórias e tecer cumplicidades.

Talvez fale de cidades pequenas onde os homens sabem ser grandes.

E têm o tamanho das crianças que sabem brincar de ser adultos sem

competir, sem sentir inveja, livres do ciúme, livres de toda a malícia.

Esse poema talvez fale de um lugar onde se pode ler no livro da vida

que o homem aprendeu lições de se humanizar.

Que fale da luz a romper as trevas.

Enquanto esse poema não chega,

eu me contento com a alegria da espreita.

Porque de sonhos todos nós vivemos.

E sem eles a vida é insustentável.

Então, escrevo esse poema de sonho.

Um poema de espera.

Um quem sabe, um talvez.

E basta.

(Para Bernard Gontier, cronista da minha admiração e para todos os poetas desse Recanto das Letras)

José de Castro
Enviado por José de Castro em 05/12/2015
Reeditado em 18/12/2015
Código do texto: T5470445
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