Eu te amo

Não.

Eu te amo não comporta

a cor rubra das tardes...

É impotente para dizer das folhas desprendidas da árvore,

que se vertem em adubo para a raiz...

Não emite som de passarada...

Não guia o vento...

Não mergulha em rio...

Não fotografa o sonho...

Nada pode enunciar sobre o rapto invisível da alma...

Eu te amo diz de um eu,

em primeira pessoa

- qual no amor nunca é -

que tem certeza de si,

a chave dos porões,

o mapa das compreensões.

Eu te amo não compreende

que o amor é incompreensível.

Eu te amo pensa o tu

na direção do eu...

à disposição...

à bordo do mesmo navio...

Supondo a trama

no fio linear do bordado.

O amor não pensa, sente.

É curvo.

Turvo.

Eu te amo quer iluminar

o que não pode ser iluminado.

No eu te amo

o amor está conjugado.

O amor, contudo,

excede as conjugações...

burla as declinações...

abjeta os objetos...

Eu te amo transita por um corredor

de sentidos

cujas portas não levam à cozinha...

Não revolve o caldeirão alquímico das sensações indizíveis...

Não capta o vapor da água fervente para o café...

Sequer sente o cheiro do café

ou da terra molhada

que planta a chuva desejante.

Eu te amo não sangra.

Eu te amo não contorce de ausência.

Eu te amo não preenche o vazio

do estômago

não sente o nó da garganta

a nódoa,

o nós.

Eu te amo anuncia o natal com nozes

esquecidas da nogueira:

madeira nativa...

flores nuas

[línguas sem idioma,

polinizadas ao vento

ou por insetos penetrantes]...

folhas úmidas,

de aroma deslizante...

frutos de carne...

pele lenhosa...

e semente.

Eu te amo asfixia o amor,

vestindo-o de letras e sílabas.

Censura-o com a língua.

Mutila-o com a tradução.

...

Eu te amo não reconhece

que o amor é a escritura

do poema que não pode ser escrito.