Cristo e Maomé (um relato que podia ter acontecido)

1.

Em Jerusalém havia um guerreiro valente;

Muçulmano de nascença, crente a Maomé;

Na mesma cidade santa um cavaleiro imponente,

De índole belicosa e cristão de fé.

2.

Vítima de tribo inimiga, o muçulmano é ferido.

Com dificuldade sai para longe cavalgando;

Clama a Allah para que lhe mostre um abrigo,

Pois a cada trotar a sua dor vai aumentando.

3.

Nada encontra depois de muito cavalgar.

Cansado e sem forças, ao chão desaba;

O fiel ginete tenta animá-lo, em seu rosto a bufar;

Eis que então, uma mão consoladora o afaga.

4.

No dorso do cavalo o põe a deitar;

Cavalga no seu, puxando o outro;

Chega a um convento onde dele podem cuidar,

E este que salvou descansa um pouco.

5.

Com o muçulmano ainda a dormir,

O outro que o trouxe dali se vai.

Acorda o muçulmano vendo freiras o servir,

Exclama ele: “Allah! Onde estou, meu pai?!”

6.

As freiras o consolam, segurando-lhe as mãos.

“Acalma-te guerreiro, aqui estás em segurança.

Não te preocupes, tu te encontras entre irmãos.

É a casa de Jesus, a nossa grande esperança!”

7.

O muçulmano está confuso,

“Fui salvo por um cristão?!

Dou a ele tudo o que tenho!”, exclama o árabe profuso,

“Muito embora não seja ele meu irmão!”

8.

Alguns anos passam após o acontecido.

Recuperado, o muçulmano está a cavalgar.

Eis que encontra um cavaleiro ali caído.

“É um inimigo!”, exclama ao observar.

9.

Assim diz ao ver no peito daquele uma cruz;

Lembra-se do cristão que outrora o salvou,

Trazendo-o das negras trevas à serena luz;

Então colocou aquele em seu cavalo e o levou.

10.

Deixou-o numa mesquita aos cuidados dos religiosos;

“Cuidem dele, em retribuição a outro que me salvou.

Sejam bons, solícitos e amistosos.”

Assim o guerreiro aos homens de Allah rogou.

11.

O tempo passa; o muçulmano sai á procura

De sua pequena filha que se perdeu.

Ao invés dela, encontra um menino de pura alvura;

Também está perdido, do caminho de casa se esqueceu.

12.

“Cristão ele é pela branca tez”-

Concluiu o muçulmano ao ver a criança.

“Estou eu a ajudar um cristão outra vez.”

E levou o menino a uma igreja sem tardança.

13.

Aos cuidados dos religiosos o deixou

E à procura da filha saiu;

A mãe do menino ao vê-lo, a Deus louvou!

“Nobre muçulmano, ao meu filho não feriu!”

14.

À procura do filho estava o cristão,

Eis que encontrou a filha do muçulmano.

Vendo o temor da criança, estendeu-lhe paternalmente a mão;

“Venha filha, sou amigo, não sofrerás nenhum dano.”

15.

Conduz a uma mesquita a criança beduína,

Deixando-a aos cuidados dos que ali estão;

“Allah seja louvado!”, gritou a mãe ao ver a menina.

“Minha vida devo eu a esse cristão!”

16.

Retorna ao lar o muçulmano desesperado,

Cai ao chão de joelhos ao ver a filha no colo materno.

“Allah! Que esse cristão pelo Senhor seja abençoado!”

Lembrou-se daquele que o salvou, de coração fraterno.

17.

Em casa a mãe estava com o filho querido,

Quando adentra ao lar o pai orando a Cristo.

“Glória a Deus! Esse muçulmano é mais que amigo!”

Lembrou-se daquele que o salvou, muito embora não o tivesse visto.

18.

As Cruzadas iniciam e o mundo de Allah é invadido.

O filho do cristão agora é adulto.

Exibindo rubra cruz no peito vai lutar contra o inimigo,

Seguidores de Maomé que a Cristo lançam insulto!

19.

Na luta é ferido mortalmente.

Então o seu destino é traçado,

Pois uma muçulmana aparece subitamente

E por ela o cristão é bem tratado.

20.

Ela o esconde de seu pai.

O amor entre ambos floresce,

E assim o ódio racista se vai,

Vencido pelo sentimento que enobrece.

21.

Recuperado, o jovem a leva consigo.

Ao saber, o pai da moça reúne seus guerreiros.

O pai do rapaz percebe o evidente perigo,

Então reúne todos os seus cavaleiros.

22.

Os dois exércitos estão frente a frente;

Um pequeno rio os separa.

O muçulmano pede ao rapaz que o enfrente,

“Venha cristão! Contigo quero estar cara a cara!”

23.

O intrépido jovem se adianta,

O seu pai o segura pelo braço,

Coloca-o para trás e avança,

“Não! Deixa que isso eu faço!”

24.

“Contigo luto eu muçulmano! Findemos esta querela!

Tu és pai desta jovem! Eu o sou deste moço!

Eu luto por ele! Tu lutas por ela!

Posso derrotar-se sem muito esforço!”

25.

“Então venha, varão valente!

Homens como tu é que eu gosto de enfrentar!

Prove-me que de fato és competente,

Ou minha glória terei eu de aumentar!

26.

Se eu morrer, meus guerreiros partirão!

Minha filha fica contigo e com os teus!

Porém, caso morras pela minha mão,

Minha filha vem comigo e com os meus!

27.

Se este acordo não aceitares,

Os dois exércitos terão de lutar!

Levo minha filha, nem que seja pelos calcanhares!

E esta rixa por fim há de acabar!”

28.

“Teu acordo eu aceito, beduíno!

Lutemos nós como homens honrados!

Sou homem adulto, não sou mais menino!

Tanto eu quanto tu estamos bem armados!”

29.

Então, o alvo cristão pula

De seu cavalo pezenho;

Elegantemente desce de sua branca cavalgadura

O escuro muçulmano para mostrar seu empenho.

30.

Caminha o cavaleiro cristão

Com sua espada assim armado.

Aproxima-se o árabe cuja mão

Segura o sabre pelo seu pai a ele dado.

31.

No meio do riacho eles param,

Um palmo separa os combatentes.

Os exércitos observam os dois que se comparam;

Fitam-se com mais atenção, entrementes.

32.

“Conheço tu, muçulmano majestoso!”

-Exclama o cristão, guardando na bainha a espada.

“Digo o mesmo a tu, cristão brioso!”

-Responde o muçulmano, que até então irado estava.

33.

“Salvei tua vida quando estavas desacordado!

Deixei-te aos cuidados de freiras num convento!

É da vontade de Deus termos nos encontrado!

Tudo que nos aconteceu é de Seu divino intento!”

34.

“Tu também encontrei desacordado, cristão!

Levei-te a uma mesquita onde de ti cuidaram!

Não sabia que havia sido tu que me salvaste como a um irmão!

Sim, foi do desejo de Allah que nossos exércitos não se enfrentaram!”

35.

“Também foi você que a meu filho encontrou?!”

“Terá sido minha filha por ti encontrada?!”

“Sim! Não foi outro que aos teus a levou!”

“Pois teu filho por mim foi levado à sua mãe desesperada!”

36.

“Cristão amigo, por ti procura há muito tempo!”

“Sim amigo muçulmano, eu também! E o encontro agora!”

“Que destino o nosso nos encontrarmos nesse momento!”

“Aqui estamos, muçulmano! Esta é a hora!”

37.

“Não há riqueza que pague pelo o que me fez, cristão amigo!”

“Digo eu o mesmo, meu caro muçulmano!”

“Tu és mui nobre! Minhas armas deixo eu contigo!”

“É uma honra! Faço o mesmo para que não haja engano!”

38.

E suas armas por eles são trocadas,

Para que na batalha jamais se enganem.

Raiva e perfídia pela amizade e fidelidade são sufocadas!

E que todos os poetas da Terra isso em uníssono declamem!

39.

Mas essa história até então não findou;

Duas ou mais estrofes estão por vir,

Da amizade desses valentes que solidamente se firmou,

E dentro em breve concluirei, sem nada omitir.

40.

Assim como aos seus senhores,

Ambos os exércitos trocam de armas,

Enriquecendo assim os seus espirituais valores

E elevando ascendente suas nobilíssimas almas!

41.

Ambos portam armas inimigas;

“Mortos eles foram!”, dirão os seus respectivos aliados,

Que não necessitam saber que agora eles são raças amigas,

Coisa que existe apenas entre os anjos, os seres alados!

42.

O muçulmano a mão de sua filha oferece

Ao filho do cristão, que de imediato consente.

E o amor vendo isso, ainda mais se enobrece,

Juntamente com a paz, que fica de toda contente!

43.

“Nesta guerra matei muitos cristãos e muitos mais matarei!

Mas tu e os teus, amigo, jamais!”

“Muitos muçulmanos também matei, outros tantos rechaçarei!

Mas tu e os teus pra mim são irmãos e pais!”

44.

E assim eles firmaram esse pacto de paz e amizade.

Muçulmanos e cristãos se abraçam em meio as águas,

Nelas afundando antiga inimizade,

Juntamente com irascíveis mágoas.

45.

E aqui termina essa história sobre a amizade entre um muçulmano e um cristão;

Homens de sentimentos nobres que abarrotam universos!

Corajosos, fortes varões, de valente coração!

E assim concluo eu esses breves e simples versos.

Binho Laranjeira
Enviado por Binho Laranjeira em 30/11/2015
Código do texto: T5465678
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