BARATA

Toca Pink Floyd

ambiente nostálgico

móveis antigos

relembra os bons tempos

a música contagia

ferve o sangue tinto

novamente vivo

distancia-se da incrédula morte

que fatiga os pés

calça o suspiro

olhar destemido

tinha até esquecido

como é bom viver

gostaria que todos soubessem

já teve este álbum em vinil

entorna gole

continua a mesa sozinho

em companhia apenas do bom som

retraído ainda

a moça à frente destaca-se

são seus olhos?

com seu cachecol vermelho;

com seu sorriso amarelo;

com seus olhos castanhos;

com suas mexas brancas;

com sua botinha beje;

com sua pele preta;

interroga-o com olhar

inusitada sensação

continua concentrado no gole

batidas do coração

é nervosismo

é desespero

é maneiro

ameaça procurar seus olhos

desiste

disfarça

entorna gole

talvez seja muito atrevimento

não demora muito

cola garoto à mesa

que desespero

é cabeludo

loiro dos olhos azuis

uma barata atravessa a mesa

por incrível que pareça

ela sorri

enche os dentes

é sarcástica

"desista" diz voz que vem lá de baixo

talvez com ele tudo aconteça

sem restrições entorna gole

cuida para que reste pouca quantia

sorri para ela

barata até esconde os dentes prevendo o pior

bem feito

mereceu

cuspiu nela

direto nos olhos

agora é sua vez

gargalha alto sem parar

ninguém o ouve

todos distraídos com Pink Floyd

observa ela limpando os olhos

deve estar ardendo

foda-se barata diz ele

ela não está em condições de sarcasmo

não esta noite

recorre aos seus aposentos

com antenas entre as patas

entorna novo gole

tenta retomar contato

com moça do cachecol vermelho

toca Pink Floyd

"esqueça" soa voz ao fundo

só pode ser barata

retorna de sua imundice cotidiana

com pano em mãos

secando rosto

será possível?

ignora-a

reencontra equilíbrio

percebe que piá não bebe

ela entorna gole desenvergonhadamente

como imagina mulher perfeita

seu copo agora

se mostra vazio

como ele pode fazer isto com tão lindo ser

esforça-se para ouvir o que dizem

discutem sobre filmes

garoto não fala

duras penas

começa a somar os filmes que tem assistido

gostaria ele de participar da conversa

não demora

garoto se despede

para sua alegria

completa o copo

procura olhar dela

não o tem

garoto se arrepende

retorna da porta adiante

ela então finalmente cola seus olhos em sua mesa

não para ele

para o que escreve

percebe aguçar curiosidade dela

é disso que ele gosta

viver perigosamente

mas é interrompido por barata

barata chuta-o canela por atenção

quase retorna golpe

mas primeiro ouve-a

"fala barata o que tem a dizer"

barata fala por trinta minutos

parece matraca

toca Pink Floyd

ainda tenho um infarto

que bar maravilhoso

a não ser pela barata

sem saber o que disse por todo esse tempo

querendo evitar represálias

oferece sua cerveja

"quer entornar gole?"

sem sentir-se trolada

sabe que fala sério

agrupa companhia à mesa

sobe assento

empunha copo

entorna gole

cessou fala por alguns segundos

sentiu-se satisfeito

toca Pink Floyd

percebe que fez nova amizade

sente-se próximo à ela

apenas uma mesa de bar os distância

agora é um pouco mais barata

barata

é um pouco mais humana

assim beberam até clarear o dia

a moça do cachecol ameaça sair

se desespera

barata tenta distrai-lo

não tem jeito

está muito comprometido com situação

toca um caralho de solo

barata não sabe o que dizer ou como agir

então soluça

embebedou uma barata

sente-se frustrado

"barata", diz a ela

temos tanto em comum

agora admiro você

vamos trocar os papéis

você e eu?

eu e você?

ela desmaia

não sei se foi alegria

entusiasmo

enfarto

ou bebedeira

a moça se distancia

tem impressão de que nunca mais a verá

paga conta

despede-se de barata

dirige-se ao acaso.

Jack Solares
Enviado por Jack Solares em 24/11/2015
Reeditado em 09/01/2016
Código do texto: T5459578
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.