mary
viajantes somos
escritores somos
máquinas de fazer vida fomos
nômades somos
cientistas somos
involuntariamente amalgamados fomos
você foi a menina que dançou no hi-fi
e os alto-falantes quase não viram
a beleza que se exalava na sala de dançar
e tua dança era quase incipiente
quase artificial, mas natural por uns instantes
e cabe a poucos detectar a extrema beleza dos pequenos instantes
e naqueles lapsos de tempo
tua dança mudava o mundo pra melhor
e, te digo, ainda hoje, passadas as modas,
cada vez que dança o mundo fica melhor
mas não sou dançarino profissional
sou palhaço profissional
um homem de muita palavra e muita mímica
um homem de pouca dança
diferente de você que pára o tempo
com sua dança debochada
parecendo, assim, debochar do tempo
entre nossas lágrimas e aritméticas
posso saber qual é a tua
a tua é brincar de parar o tempo
mas poesia de papel
ou poesia de tela de computador
estão abaixo do que é tua vida
que também é minha
temos algo que está além de palavra
escrita ou pensada
a compaixão e a dança das grandes criaturas
onde tu danças e eu contemplo
onde nosso quarto é um templo
onde nossa casa é a luta
onde nossa comédia é o drama
onde nossos planos são a trave
onde há insetos na grama em que deitamos
onde a música nos faz chorar
onde nosso inglês de mentira
é a verdade do teu belo nome
e a vida é um eterno hi-fi
cheio de jovens belos e confusos.