A solidão dos meus medos

a solidão dos meus medos

e das palavras que digo

onde me escondo

na madrugada antiqüíssima

abrem-se ao canto dos pássaros,

seguem os barcos

despertos pela luz da aurora

a manhã perfuma os fogos

acesos nas tuas noites

e ainda queimando a te procurar,

as tílias balouçando no tempo

são alento,

a luz diluída debruando a aurora,

emoldurada no vento,

sussurra e cicia

enredando um novo dia

e os dias inventam luzes

e claridades

inventam ilusão e alegria

os pássaros,

indiferentes aos relógios,

sem horas com as quais lutar,

cantam simplesmente por que nasce o dia

por que algo dentro de si os faz cantar

e os faz cantar irrompida e desatada cantoria

e os pássaros inventam cantos

eternos de melodia

a aurora

alta,

infinita

e primitiva

descerra escarlates

jardins sem nomes

aninham-se as lembranças que a noite trouxe

na manhã ainda embriagada de sono

as cores todas da melodia das luzes

pousadas na ponte

ainda escorregadia de sereno,

abstraída sobre o lago inerte

sarapintado pelas folhas que caem

antes que os olhos as sustentem

nos galhos que pendem

carecendo do silêncio

que não há,

nunca houve,

nunca haverá,

e a aurora inventa lagos

e a brisa sobre os lagos

e nos lagos águas trementes

a manhã sente e entende os ruídos

da claridade,

da terra afogueada

sente as centelhas do milagre

e não precisa sentir mais nada

para que o dia separe-se do escuro

encobrindo os passos rumorejados da madrugada

e a manhã invente os dias

e a inocência do azul no céu

como um milagre

que se espera

e se alcança

algo ou alguém

chorando inventa

a intrincada esperança