PODA
 

 
Quando éramos meninos, eu e meus irmãos, todos eles também josés, passávamos grande parte de nossas vidas na fazenda, lá na região Rio Santana, em Itapuranga, Goiás. Lá, logo abaixo dos currais, junto à porteira que dava para um largo em frente à casa, ficava um vistoso pé de hibisco. Era daqueles de flores vermelhas, dos mais sem vergonhas, vulgares e ordinários. Ele era antigo, mais antigo que a gente todo mundo, veio junto quando meu pai comprou a fazenda. Para a gente ele era referência, fonte de diversão, de alimento e de educação. Pois é, educação! Nossa mãe, meu pai menos ainda, não era afeita em nos dar surra, no máximo uma chinelada ou uma... Varada de hibisco. Sempre que um de nós fazíamos por merecer, e isso era bem frequente, especialmente o Zé Maria, nossa mãe incumbia os outros filhos de ir até o pé de hibisco buscar uma vara. Então começava o atropelo da correria, cada um mais disposto que o outro a ajudar o irmão a apanhar. Isso dava um prazer sádico e bastante divertido. Íamos os outros quatro, até quem ia apanhar também sentia vontade, até o pé de hibisco pegar uma vareta. Quebrávamos os galhos mais ásperos e inflexíveis que encontrávamos. Depenávamos os galhos, mas deixávamos uma ou duas folhinhas para lembrar sua fonte. Depois nossa mãe recebia as quatro varas invictas, e ela escolhia a que lhe parecia mais vistosa e a... Menos capaz de causar dor ou estrago no lombo ou na bunda. O dono da vara ficava todo orgulhoso. Depois tentávamos baixar as calças da infeliz vítima, para melhorar a performance de nossa mãe. Que com isso também se divertia. O pé de hibisco era constantemente podado, sempre renovado com vigorosos galhos, independente ou não de ser lua nova de agosto. Ele vivia sempre vermelho, tão carrgado de flores. Depois da "surra" nós cinco íamos de volta até ele, para absorver o néctar de suas rubras flores. Aliás, também comíamos suas flores. Fomos moldados nas podas que no pé de hibisco fazíamos. Todos nós crescemos, meu pai morreu, esparramamos pelo mundo. Cada um cuidando das suas coisas, sem se preocupar um com a bunda do outro. Hoje, quando volto à fazenda que pertence a um de meus irmãos, o Zé Gabriel, lá não vejo o pé de hibisco. Em seu lugar uma caixa d'água e trepando nela uma maçaroca de cará-do-ar. Gosto de acreditar que o pé de hibisco ainda esteja ali, misturado com essas coisas que crescem e não abandonam o ar ancestral e primacial.