HOTEL

Fumaça branca na noite escura

Paira sobre a cidade sonolenta

Parece um fantasma, o arauto

Agourento de um velho xamã.

Vejo deste lugar urbano e impessoal

A vida passar. Vejo apoiado numa janela

Que já bebeu tantas legítimas vidas,

Ela até me tenta, mas prefiro: ver.

Ver me basta. Ver a vida em suspensão

Longe de mim, ela não pode passar

Pela janela que bebe vidas como óleo.

Vejo tudo desta abertura gutural.

Assombrado Hotel Califórnia

Anarquista Cortez paralisado.

O fluxo parece mais fácil do lado de lá

Tenho a eternidade líquida e gelo no balde

Neste quarto barato tenho invulnerabilidade.

Gostaria de ter a mesma ciência

Para os meus sentimentos plásticos,

Pois no coração não há janelas

Nem quarto de hotel nem invencibilidade

É uma bomba: atômica, cárnea, tola

Podendo explodir-se com os elementos:

Amor, tempo e colesterol.

Não há quarto de hotel que salve

Qualquer tipo de coração: bom ou mal.

Por enquanto, fecho a janela.