Poema da meia noite
Na bruma das calçadas, negros vultos
erram ligeiros, leves e medonhos,
assombrando as crianças em seus sonhos,
abrandando nas ruas os tumultos.
É o momento em que as casas se recolhem
e cerram-se os umbrais magnificentes,
tomando o assombro espíritos e mentes,
que a ação do corpo pávido então tolhem.
Sob os lampiões urbanos, tremulantes,
raquíticos mendigos aconchego
buscam, entre o festim de algum morcego
sedento pelo sangue borbulhante.
Num pequeno, sombrio e ermo castelo,
um poeta põe fogo ao seu cachimbo;
pega da pena e a tinta de um carimbo,
e a vela deixa um círculo amarelo.
O vento ruge pelos arvoredos,
a lua está no alvor mais imponente
e clareia os caminhos dessa gente
que se esconde, tomada pelos medos.
Esmurra as portas de uma igreja e berra
um garoto que chora e é tão franzino...
As doze badaladas marca o sino,
e à aurora, apenas morte sobre a terra!