HORÁRIO DE VERÃO

passava a roupa defronte a janela

quando viu a paisagem amarrotada

espremeu o cabo do ferro de passar

o cenho franzido e a mandíbula travada

queimando a camisa velha que tanto usava

de tão confortável que era nos dias de calor intenso

quando a pele parecia desgrudar-se e o suor pingava

arruinando a intenção de encontrar alguém para abraçar

jogou o ferro pela janela furioso por ter se distraído tanto

sem a camisa que tanto usava e a paisagem ainda amarrotada

viu o ferro passar rente à cabeça de um transeunte cego cuja bengala

procurava o meio-fio para que atravessasse a rua com cautela calculada

e medo estabelecido pois como não via também não sabia se algum carro passava

de tão ruidosa que era a rua nos dias de calor intenso que parecia que todos saíam de casa

espantados pelo mormaço que invadia as salas e derrotava por nocaute tudo o que eletricamente ventilava

arruinando a intenção de se refrescar em frente à tevê assistindo aquele jornal da tarde que se abstém de informar

pôs a camisa queimada contra a luz da janela

teve um choque quando viu através dela a paisagem mais amarrotada

chorou por não ter o que vestir naquela noite quente que prometia ser a mais quente

do ano desde que se interessou por aquela moça interessante que pareceu interessada

em conhecer aquele gajo cuja camisa que tanto gostava se queimou enquanto ele a passava

de tão furioso que estava por ver a paisagem amarrotada naquele dia supostamente feliz de sol em brasa

cravou a marca do ferro bem no peito azul-clarinho daquela camisa velha mas que carinhosamente tanto usava

arruinando a intenção de estar confortável naquela noite quente em que se preparava para encontrar alguém para abraçar