BURGUESINHA

 

Tava eu
meu primo
ela
e outros
que já não sei

Não sei
se eu a conhecia
mas algo dela eu sabia

como eu era invisível
certamente ela não me via
mas naquele dia

ela me cumprimentou
me abraçou
beijou meu rosto
e depois deixou porcentagem
de seus lábios
"sem querer" escorregar
dentro de minha boca...

Nunca tinha estado
tão próximo da burguesia!


Por dentro de mim fervia
o sangue vermelho da revolução
que ritmava meu coração
que não queria aquilo não
ainda não fumava
muito menos maconha
também não bebia
muito menos
vermute com soda
como só fazia
aquela menina
da burguesia


Minha coca
só tinha limão

e algumas pedrinhas
em degelo

eu não tinha nas veias
ambição arrivista

de ser burguês um dia
nem vontade de criar laços
com os pedaços fêmeos
da burguesia

queria é que chegasse
a revolução

para fulminá-la no paredão

Mas não
não foi bem assim
pois sobre meus ombros
com desleixo
a burguesinha dependurou

seus longos braços
esticados pelo vôlei
eu não tinha rede nem bola
não dei bola!
mas seu braço insistia

continuou dependurado
como se eu fosse seu esteio
de um lado eu sentia
o calor de um farto seio
quase 70% nu
gratuito se oferecia

com uma mão desocupada
ela começou casualmente
a acariar os encaracolados
e meio amarelados

pelos de meu braço esquerdo
algo se espalhou por meu corpo
do sutil roçar
esparramou por toda
minha imensa geografia

um intenso farfalhar
que percutia em todos
meus ouvidos

e nos ossos que vão
do sul ao norte

e até onde não havia osso
mas que muito bem ouço
depois um outro afago
mais em embaixo
mas  ao alcance
de uma mão
que quer 
er_ _ ^_

Eu já havia lido
Émile Zola
sabia que as coisas
não são assim
:
Eu era Catarina
pobre em minha mina
ela toda fofa
protegida por cortina

Pois burguesia
com carne
e osso
seduz
cachorro
:
Eu queria
muita coisa
mas não
eu não queria
abanar rabo
para  burguesia
que nadava
nadava
nadava nadava nadava
nadava nadava

em outra
praia


Hoje dessa meninna
nem sei mais o nome
nem do que dela
a vida fez

mas imagino-a
viciada em cocaína
tomando whiskey cowboy
em festa agropecuária
em São Miguel do Araguaia

muito longe da história
de minha vida proletária
falando as mesmas palavras
que falava em 1986
que hoje não tenho
nem em minha memória