Metalinguagem

o Poema

nasce no assoalho empoeirado das lembranças,

acúmulo debaixo do tapete,

banquete de migalhas caídas da mesa?

não.

o Poema é um não.

o Poema é inexistente.

onde a poeira iria afixar-se?

o silêncio de seus versos incomoda.

os inquietos não o sabem ler

e nunca saberão.

tampouco os que não sabem calar:

o Poema não é palavra.

o pó encerra o Poema.

cerram-se os olhos ao contemplá-lo.

dói a cegueira.

tente não desvendar o caos,

tente não descortinar a alma,

tente não precisar

encontrar o inevitável.

o Poema não admite intruso.

o Poema não perdoa.

pode-se não achar o que procura

é inútil: o que se acha no nada?

porém, na esquina do verso

pode se encontrar a navalha.

o Poema foi escrito a ferro, fogo e afago

interpretar o Poema

é destruí-lo por completo.

o Poema se fecha para ser poema.

uma vez aberto, é apenas chama extinguível.

efêmera.

seus versos não clamam para serem decifrados.

imploram para serem deleitados, apenas.

recitados na incompreensão.

rezados no inimaginável.

versos que sussurram

rimas que se confundem

métricas desconhecidas

lírica ígnea

sonoridade acre-doce

poema abstrato.

o Poema é tranqüilidade invejável

o Poema é ausência

o Poema é meditação

o Poema é enigma

o Poema é completo.

o Poema é inconstante

o Poema é observação

o Poema é deleite e prazer.

o Poema é musical e tátil.

ele aprisiona,

ele molda,

ele ataca,

ele mata,

ele embriaga,

ele desnuda,

ele consome,

ele provoca,

ele confunde.

é um ritual sagrado

são segredos ágrafos

é extrema lascívia e instinto e filosofia e dança

desproporcionalmente medidos.

é palavra punhal, frase adaga.

sangue quente e holocausto.

morre-se de prazer

ao entender o Poema.

e os deuses acalmam

e o ciclo reinicia.