O jardim de folhas secas
deito-me embaixo da árvore
e deixo-me ficar,
insonte,
criança,
olhos cerrados
entre as folhas e o tempo
entre os sonhos levitando lembranças
e os pensamentos que a luz e o calor do sol sugerem,
ilusões,
divagações,
o nada movendo-se,
esperando que os sonhos amadureçam
simples e comuns
doces como só acontece ao sonho serem
sem palavras que os digam
percebendo o mundo pelos sons sutis
e pelas sensações que fazem da vida o Mistério
sem as certezas que os olhos impõem à alma
sem o tempo a mover-se na distância
entre os momentos
deixo-me ficar
criança
cego das muralhas do mundo
atento a mim
e ao que em minha alma arde do sol
ouvindo o sussurro
inundado do remanso do lago
e das águas amorosas fugindo das margens
molhando o azul
do céu que separa a vida verdadeira
do cárcere do tempo obsoleto
levando nuvens sossegadas,
lembrando a modulação de tantas vozes
do vento nadando nas folhas
marulhando o silêncio
de coisas encantadas
onde pássaros,
no final do dia,
vêm cantar e beber
o sumo dos sonhos escorrendo pelo meu peito
e espojarem-se na demora da poeira acesa
de tantas coisas intricadamente caladas
e breves
que caem e secam
nas sombras das árvores
no jardim de folhas secas