Vem de onde?

Vem de onde

esta escuridão amara que sufoca

e pára as horas?

Este medo

dos medos que não tremem

e que não fogem?

Esta fera que me espreita

e assoma entre as imagens do espelho?

Este golpe seco, intermitente

que me atinge e que me acorda

em meio às purpúreas madrugadas?

Esta angústia

fatigante do passado que não se cala,

e geme

e desespera

nesta noite estendendo-se sobre os telhados

pisando as tristezas das ruas

apreendendo-se nas minhas mãos prisioneiras

destes gestos tão antigos,

esperando

os pássaros retornarem aos ninhos

e aos galhos sonolentos

desprendendo

sombras amarelas

sobre os olhos ondulantes dos lagos

Vem de onde

este canto

que se existiu,

já não existe?

Esta lua

oblíqua e negra derramada nestes ventos?

E a ausência inconcebível deste mar?

Vem da onde esta voz de sons tão cálidos

esta melodia de ilusão

que canta nesta noite

aprendendo a ser noite em teu olhar?

Vem de onde

esta ilusão em que vivo

neste inacabado

de mundos dentro de mundos?

Estes passos inseguros

caminhando as distâncias das quais falam os ventos

que me levam pelos céus manchados de travessia

onde o ar

encrespa as águas,

tilinta,

esquece e asfixia

onde a palavra primordial estremece

e se expande

como poente e moradia

da luz do sol depositada

na paisagem ao redor do fim do dia?