balada do hospital
formiguinha, quem é você
quem é que sai das trevas ermas do underground?
formiguinhas nas paredes brancas
pinheiros na janela do hospital
pinheiros, bambu e mangueiras
frente às casas de telhado colonial
formiguinha miserável
em que diferimos nós dois?
é só porque eu sei que sou homem
e você não sabe que é formiga
estrelinhas tatuadas no pescoço da enfermeira
e as estrelas do céu que jamais irão cair
estrelas não caem
santos não sobem
santos nada sabem
santos não existem
formigas existem
e existem mais que espaçonaves e igrejas
elas não precisam provar a existência de nada
pinheiros, mangueiras, antena parabólica
e este leito que é o contrário da paisagem
este leito que é o contrário da minha cultura
que é o contrário de todo e qualquer sonho bom
(contrário do contrário)
mas é incrível o que esta janela me trás de bom
este verde, este céu, estas casas
casas são feitas para a vida
elas não têm oxigênio encanado
nem cheiro de morte
porém formigas
malditas formigas
não há tempo para apreciar agora
seus resquícios de beleza
infecção hospitalar
hemorragia gástrica
sangue dos condenados
janela de hospital
simpáticas senhoras
a acompanhar seus homens feridos
enfermeiros feridos
por sua dor e dor alheia
legião de corações feridos
neste lugar, o vírus é menor que a lágrima
e também menor que a solidariedade
o corpo como tudo
o meu corpo como um todo
o corpo que é muito
esôfago
estômago
coração
sonho voador
escadaria para o barbudo
ventilador
tele-transporte
amor de cinema
amor de esposa
visita de esposa
beleza de esposa
teologia na noite reflexiva
estrelinha de enfermeira
formiguinhas.
l.f.s.
(vassouras, 30/01/06 – enfermaria g)
“- deus podia mandar um anjo na terra para passar a mão na cabeça desses doentes todinhos e ficar todo mundo bom.”
(rapaz pobre e revoltado que estava acompanhando um doente na enfermaria – o rapaz estava com dor de dente)