DIÁLOGO MARINHO
“Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda parte,
ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde“.
Fernando Pessoa.
Começo a falar com o mar.
É um diálogo mudo.
Eu, gaiola dos sofreres, ele, pássaro livre.
(há uma espécie de ira recorrente,
no amar).
O mar bate a areia
como fosse amassar
o rosto do mundo.
Como pode a liberdade ser tão inquieta?
O que o mar nos aponta desde o princípio?
O mar dialoga com rochosas ilhas.
Há milênios é o amor indo e vindo.
A mão garatuja o intelecto,
mas é a energia do diálogo
o que me constrói,
dialeticamente.
A mão amada pousa sobre minhas dores
com uma Paz menina.
Teias soturnas dentro de mim,
serão as rendilhas bordadas na praia
a sua escritura?
Ou apenas a alheia garatuja dos ventos?
Há uma coisa morrendo fora,
há outra nascendo por dentro.
Sob o lavor dos ventos, mil perdas
de orientação!
Tantas antíteses batendo na pedra da memória.
O amor à condição humana me absolve.
(sou tão pequeno e precário.
O meu sextante de sonhos
tem caravelas várias.
O mar suporta o peso de minhas naus,
mas é o vento
o que move as torres de vigia.)
Na linha do horizonte,
uma gaivota faz
a tessitura do céu
desenhando piruetas no ar.
É uma nave nada comportada.
O que contam os fragmentários desejos
é o azulverde que resiste
e me mora em algas e plânctons,
como no Princípio.
O mar fez o ninho
nesse lençol de ventos,
e eu sou o peixe que desova.
São as metamorfoses
que sempre nos farão vivos.
- Do livro OVO DE COLOMBO. Porto Alegre: Alcance, 2005, p. 50:1.