BOCA DO LIXO
Nunca tive sorte na vida.
Quando nasci,
As nuvens encobriam o Sol.
Era o último filho,
Do último dia,
Da última relação,
Dos meus pais.
Meus cabelos
Irritavam o útero materno.
Nasci agarrado num fórceps,
Nasci com os olhos abertos
Para não ser engolido
Por animais famintos.
Juntaram os nomes
De dois defuntos
Para me dar um nome.
Mal caminhei
E já estava sobre pedras.
Eu pagava os tragos do velho.
Foi o escarro
Do maldito cigarro
Que me roubou os dentes.
O verde e amarelo
Ainda me envergonha.
Mal sabia escrever,
Abri uma conta no banco
Sem assinatura.
Depositei dia-a-dia
Um centavo da minha ira.
Deixava a marca do barro
Nos capachos
Das casas em que servi.
Deitei com tantas
E acordei sempre só,
Apenas um cheiro bom
No meu travesseiro.
O tempo passa para todos,
Vivi para ver.
Aprendi a dar nós em gravatas
E hoje me alimento
Dos mesmos pratos que servi.