Sobre Marias, Insônia, Beatles e Ipês
Maria tinha os cabelos claros e curtos
Não gostava de franja, pois incomodava suas vistas
E sua capacidade de concentração,
Visto que passava muito tempo observando
Aquela coisa na frente dos seus olhos, em cima da sua testa.
Era fã de Chico mas preferia Tom Zé
Seu Beatle favorito era John
Mas tinha uma queda pelo George
Seu guitarrista preferido era Chuck Berry
Mas Keith Richards mexia com seus quadris
Gostava de andar sem rumo
Olhando os Ipês floridos de Goiânia
Amarelos, rosa, roxo, branco...
Não gostava de tirar fotos
Achava que isto tirava a magia do instante
Ao mostrar uma fotografia para alguém
É arrancado deste alguém a magia do primeiro encontro.
Gostava do inverno, mas sua estação preferida era a primavera
Odiava o verão, por causa da mudança de horário.
Maria era destas mulheres –meninas - senhora
Que tem um sorriso que a gente nunca esquece
Que vira musica, poesia, tragédia,
Mas a coitada sofria de insônia
A noite ficava pensando:
Por que Goiânia não tem mar,
Não tem neve, nem gente de boina,
Pessoas fumantes não são bonitas iguais aos franceses
Mas Goiania tem Ipê, sim Goiânia tem Ipê
E tem pit dog, tem eixão, tem bandeirantes,
Tem calor, sim Goiânia tem muito calor,
E tem rock, tem muito rock e tem Diego de Morais.
Para ela a madrugada não te chama
Como cantam algumas pessoas por aí,
Ela te seqüestra, canto de sereia
Sem cera no ouvido para se proteger.
Não tem como escapar de energia tão poderosa
Faz-te pensar e querer descobrir tantas coisas
E você vê bichos, insetos que passeiam a noite
Sente espíritos, vê vultos, ouve vozes gritando na rua
Pensa na morte da bezerra, da mãe, do amor, da vizinha.
Não tem vento forte, nem sino de escola,
Nem crianças irritando seus animais,
Nem vizinhos trabalhando em suas oficinas clandestinas
A madrugada possibilitava que Maria escrevesse,
E que bordasse seu ponto cruz,
Quem pensasse em filosofia
Lesse Dostoiévski, e planejasse seu crime e castigo.
Apesar de dormir mais de 12 h no dia seguinte
Maria fazia de sua insônia estressante e desesperadora
Em uma noite sagaz, ainda que não menos desesperadora.