Metades da primavera

Eu e você...

abandonos e carinhos

gestos sem passado

as roupas nuas sem amanhãs

teus olhos negros erguendo o dia

teus lábios frescos e inocentes aspergindo as palavras

ninando o dia

a tangível fantasia

brincando

com a infância acordada em nossos corpos

brincando com o poema

que nós éramos (que nós somos e seremos)

e com a eternidade vivendo em nossos poucos anos

em toda as coisas

que nas flores da lembrança ainda eclodem ou se inventam

e nos botões que florindo ainda virão

no gesto que ficou e que ainda guarda o afeto

e no teu jeito sem jeito de olhar para o segredo

dos nossos corpos despidos

o teu jeito de se ajeitar sobre as letras e as palavras

e aconchegar-se em meu colo como

se no mundo não houvesse o medo e o desamor

ficamos, meu amor, tu e eu, cada um

com metade da primavera

e, então, a primavera só se completava e acontecia

quando nos encontrávamos e bebíamos o amor aos goles,

ávidos um da metade do outro

na minha mão a tua mão

e os nossos sonhos entreabertos

e a ingenuidade dos nossos brinquedos secretos

sem promessas presas às nossas bocas

mansamente chamando pelas aves que voavam

e levavam a dizer palavras

anunciando a ternura do gozo impressentido

e a poesia balbuciada

nas tardes amadurecidas

nas cinzas do calor dos nossos braços

entre abraços

envolvendo a gente e o dia

dentro da mais estonteante alegria