Dona Maria

O vento erra arrastando este canto

de pássaro pressentido na noite

que vai e voa e ondula

por céus extenuados

inapreensíveis

A noite é as mil folhas

dos espelhos fatigados

é a sombra doída

barco solitário e silente

grito crescente

a noite é a vida

reconciliando-se com o primeiro dia

entre lembranças e sonhos

A noite interminavelmente me chama

entorna a lua no lago e arde em silêncio

caminho lugares e retratos de sombras

dentro das lembranças

caminho tardes indo embora

que me levam a mim e este doer sem pressa

quando a chuva cai

e os pingos escorrem chorosos pelas janelas

Ando pelas ruas da infância

e deito-me ao sol

sobre a relva acariciante e nua

a porta entreaberta a este silêncio

e a este sentir que murmura em mim nostalgias

um passo sem rumor dentro das areias frias

o mar quebrando tão longe

lesto e sozinho

paisagens vazias

Na noite vagueando pela névoa dos jardins

canteiros de cravos

e de ternuras vermelhas, brancas

rosas, roxas, amarelas

rosas flutuando antigos dias

lembro de você, mãe

tenho a nítida sensação de que se eu gritar "mãe"

você responde

e os cravos eclodem densos entre os meus versos

que são todos teus

e desando na noite a aprender saudades

até a noite ir embora

ou esconder-se dos meus olhos

e as estrelas fecharem os braços e os olhos pro novo dia

que não demora e se inicia

recomeçando esta mesma e sempre eternidade

que dia a dia se fia

sem que os meus lábios tenham aprendido a dizer adeus

Saudades, mãe,

saudades, Dona Maria

que deu um sentido definitivo

irremissível

inelutável

imensurável

para as palavras saudade e solidão

quando o silêncio pousou e dormiu em seus lábios

pondo fim à agonia do verão

Minha alma

minha única Nação

minha inapreensível

minha incognoscível

e insofismável explicação

chorou

verdades e dores de um rio

que em meus olhos corria

para dentro dos teus olhos,

minha mãe,

minha e/terna poesia,

serás sempre a flor obstinada

neste mundo que era teu

e que me destes

num mundo onde se via

o clarear das manhãs

lavrando as flores do dia

enquanto você morria

saudades,

Dona Maria