"Nunca poucos fizeram tantos de pinico"*

Poucos

Bem poucos são

os que nos turvam a visão

nos embaralham a emoção

nos embotam a razão

deitam a última pá de terra ao caixão

O torno e a forja midiáticos

montados para dar sustentação

à transformação de um homem

num gordo, rotundo e esmaltado pinico

aparelhou o "making off" desde a criação

Povo... Ah! O povo...

com esta imanente vocação

para pinicão, para pinicaço

tornando o rico, ricaço

sai pra rua

põe nariz de palhaço

como quem entendeu

quem lhe dobra o espinhaço

mas, basta bater um tambor

para esquecer toda a dor

e sair dançando (em todos os sentidos)

prosaicamente

talvez para encobrir o medo

e enrolar o lençol que vem junto com o fantasma

talvez sem se perceber

de que o nariz de palhaço lhe cai bem

A TV, o rádio, o jornal, a revista

modela a matéria prima do pinico

na confeição que bem entende

sem deixar rastro ou pista

o que não falta é "doutor" e artista

desfilando à nossa vista

dizendo como, quando e onde fazer

a nossa festa arrivista

A TV te vê,

nos engole

nos tolhe

dessangra nossos miolos

e cospe

pinicos de toda sorte

semeia a estupidez

em nossas mentes tementes

A TV quer que a gente rebole

a gente rebola

como um bando de dementes

descendo até a boquinha da garrafa

baldes de mediocridade

ministrados homeoapaticamente

enquanto a gente nem pisca

ela nos pesca

peixe para a fria marmita

sardinhas enlatadas

aonde foram parar as cabeças?

espinhas entaladas

na goela de uma realidade escamoteada

rançosa

ela nos iça

e vai transformando em carniça

ou matéria para uma outra missa

este povo descartável

que o "establishment"

oprime

reprime

enquadra

pasteuriza

e vomita

num déjà vu "Orwelliano"

George Orwell era aprendiz

quando descreveu em "1984"

como tornar gente

em pinico o incauto desinfeliz

Ah! eu quero tanto ser feliz

mas a minha ignorância não deixa

o que eu tenho é só pergunta e queixa

e estes olhos estatelados

fitando os momentos atabalhoados

O gosto amargo da vida

a futilidade dizendo asneira

ditando moda e comportamento

falando a estudada besteira

a cultura catando xepa na feira

a propaganda ideológica

a visão ginecológica

a curetagem cerebral

a lavagem emocional

trazendo à tona o animal do animal

a luz e a sombra tratadas com esmero e lógica

para vender "Merry Christmas!" no período de natal

tudo absorvido subliminarmente

pelo vivente pinico e seu destino fatal

O jornal

A revista

Idem, idem...

Tudo tão igual... Tão igual!

A parvoíce geral

Eles são poucos,

muito poucos

mas detêm o conhecimento

de fazer cantar o jumento

e cumprem exemplarmente

o papel que lhes foi designado:

transformar gente em pinico

que pode vir vazio ou lotado

Todos vendem o mundo

que lhes deram pra vender

e há até certos conceitos

bem fáceis de se entender:

"a propaganda é a alma do negócio"

e o ócio

é o momento do negócio

de se pegar o beócio

Espanto!!!

Quase confirmação

Tenho a clara sensação de que

estamos nos bestializando cada vez mais

e mais cedo

Ou é apenas a constatação de se estar vivo

e seu inerente medo

*O título da postagem foi pego no livro "Poesia Completa - Manoel de Barros" - Página 150