DANDO NA TELHA
Entendia um pouco de tudo.
Das mechas do mar, das pregas do vento,
do calor represado da dor.
Sabia de cor de quantas pétalas se compunha
cada senão, e do número de falanges que um coração
se faria feliz. Mas, mesmo assim, estava triste.
Não com aquela tristeza soberana, repentina.
Mas algo entronado, embebido de gosto ácaro
que não se dizia farto - nem robusto, nem rebuscado.
Sabia distinguir cada soluço inepto que surrupiava
dos pardais, ah!... os pardais. Tantos pardais.
Por tantas vezes foram meros coadjuvantes num
crepúsculo acanhado que pouco seduziu.
Por tantas vezes gritaram em uníssono que eram
donos daquele quinhão - sem eco, nem perdão.
Poderia chorar entre sorrisos de nanquim,
caso os tivesse.
Poderia torcer seus músculos até pedirem água.
Poderia morrer - mesmo que isso nada fácil fosse.
Mas não. Era um inflertado combatente dos tempos paridos.
Sabia que não deveria recuar diante do pedaço de pão.
Como torpedo seco e arredio voltou pra casa.
A mesma casa que a inundação abraçou naquele
fatídico feriado de Páscoa, se não me engano.
Foi embora da sua casca encurvado, com os rincões
encharcados de mel e alcaçus. Alcaçus caindo pelas beiradas.
Pegou um baseado e fez sua festa. Gargalhou até suas
rugas debutarem de uma única vez.
Então se fez sonho pra acordar de vez daquela caxemira
azeda e febril. Daquele tosco avental encardido
de todas manhãs.
Daquela mãe tardia que se propôs tirar da foto.
Foi embora pra não ter que, mais uma vez, dizer que não
errara de gaveta.
Era sua chance de empunhar a garrucha e colocar todas
línguas de sogra na bolsa. Uma a uma.
Era sua deixa pra roubar mais um chocolate e fingir
que esqueceu de pagar.
Mas não. Novamente debruçou no parapeito do último andar
e disse que era demais toda aquela mesmice de
tangos, escafandros e meretrizes.
Por certo não entregaram todas mágoas que foram encomendadas
na véspera. Faltou a principal;
Pegou, então, seu cobertor surrado, sua chupeta ainda não toda
carcomida, seu quinhão de carne que seria de bom tamanho
para o batalhão inteiro.
Era sua forra derradeira. A mesma que fez quando nasceu e
fará de novo quando der na telha.
Estava vingado.
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